sexta-feira, 11 de julho de 2014

Aventura VII

  “Teus amigos estão sorrindo de tua última resolução. Pensavam que o suicídio fosse a última resolução. Não compreendem, coitados, que o melhor é ser pornográfico”
 – Carlos Drummond de Andrade


Saí da Justiça Comum com sensação de surra. Resolvi conhecer também a Justiça do Trabalho. Ao entrar no prédio, o detector de metais berrou. Eu olhei para o pessoal da portaria, que fez de conta que não me viu, dando a impressão de que não acreditavam em fantasmas.

Dentro do elevador, homens de terno comentaram que na 3ª Vara havia uma juíza muito bonita. Fui para o 9º andar. A primeira audiência começou pontualmente às 8h30min. A última estava agendada para 16h45min. Ao todo, seriam 25 audiências em um só dia. A meritíssima trabalhava na parte da manhã e na parte da tarde e punha-se a decidir, em seguida, adentrando na noite, os casos com que se deparou durante aquela fatigante jornada.

Ela parecia uma jovem obra-de-arte vestida sob molduras bem formais equilibradas por um par de scarpin vermelhos da cor das unhas. Tinha altivez tão natural como o ato de respirar. A moça conseguia harmonizar delicadeza e austeridade ao se comunicar paciente e gentilmente com toda aquela gente uniformizada de guerra. Seus lindos olhos exalavam uma sensibilidade vulcânica. A voz era musical, tão suave, que me convidou a uma embriaguez de sono difícil de administrar. Não resisti. Fechei os olhos: eu a levaria a África para vermos, de perto, a dor implacável de crianças diante da fétida insensibilidade de quem pode, mas não quer ajudá-los, e, diante disso, nós nos abraçaríamos como se fosse o fim do mundo, e partilharíamos nossas lágrimas solidárias; eu a levaria em campos de concentração nazistas para comprovarmos quão desconcentrados foram os protagonistas daquelas tragédias desconcertantes; eu a levaria ao circo: perceberíamos juntos que todos os palhaços, com seus risos, e trapezistas, com seus voos arriscados, estavam guardados em gavetas bem fechadas dentro de nós (de repente, senti que sua casa tinha muros bem altos, contra intrusos, e era guarnecida por janelas à prova de maledicências e blindada aos olhares famintos de desejos que, induvidosamente, como o som do detector de metais, não a  incomodava mais).

A aliança na mão esquerda atraiu meu olhar como um ímã. Eu não hesitaria em pecar: se ela fosse minha, eu a faria tão feliz, que ninguém iria acreditar que ela realmente existia.

Eu sei que minha inteligência folheada a ouro foi atingida por uma descarga elétrica que me trouxe de volta ao purgatório.  Eu sabia que ela nunca me pediria em casamento, mas quem seria louco de se casar com uma juíza que trabalha mais de doze horas diárias (veio em mim a lembrança da fábula da raposa e da uva).

A verdade é que fiquei meio perplexo e muito atordoado: eu não imaginava que pudesse existir uma juíza tão linda como aquela doutora.

Um sujeito se aproximou de mim, na sala de audiências, e me fez abrir os olhos. Só deu tempo de ver aquela beldade se levantar para retornar aos labirintos dos conflitos jurídicos, bem menos aventurados do que os caminhos do amor ... veio um impiedoso remorso de não ter tirado nem uma fotografia. Eram 21 horas. Exigi de mim que meu idilismo besta levasse meu corpo de volta às ruas para escutar o ronco grosseiro dos motores de ternos rosnando em perseguição a vestidos epilépticos sob perfumes egoísticos de leucócitos esquizofrênicos... para voltar para mim, na manhã seguinte fui à praça fotografar! 




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