quinta-feira, 11 de setembro de 2014

AVENTURA XIII - INTERVALO ENTRE O SEGUNDO E O TERCEIRO ROUND: O JEITINHO DE GANHAR DINHEIRO

"E de tudo fica um pouco. Oh abre os vidros de loção e  abafa o insuportável mau cheiro da memória" - Carlos Drummond de Andrade.

"É só tardiamente que temos a coragem de nosso entendimento" - Albert Camus        



            Meus Deus do céu! O segundo round foi uma pancadaria só! A maioria das pessoas torcem pelo Anaclínio, que é a parte mais fraca, mas quem vem levando vantagem é o General, que é muito mais forte. É bonito escutar as pessoas gritando, esperançosas: “David”, David”, David!”. Elas fazem alusão ao combate do pequeno David com o grandalhão Golias. Apesar de todo o estímulo, o trabalhador estava apanhando feio. O intervalo veio na hora certa, senão o desafiante ia beijar a lona.
          
         Acabei me lembrando de uma procuração que vi em um processo judicial, que começa assim: “Em nome de Deus, nomeio meu procurador...”. Caramba, em nome do Criador e do ouro cometeram-se barbáries inomináveis. Basta ver os inquisidores que, cruelmente, assassinaram tanta gente inocente, sob pretextos de praticarem bruxaria. As iniquidades não cessam...
        
        Enquanto transcorre o intervalo, como um soco no abdômen, veio em mim a lembrança do que ouvi de um advogado, certa vez, no botequim da esquina. O homem está rico! Também pudera: ele me contou que cobra honorários de 30% sobre os valores que são pagos aos seus clientes e, além disso, ainda recebe honorários de sucumbência de 20% nos inúmeros acordos que faz na justiça do trabalho.

             Outro dia ele me confessou a estratégia que utiliza para enriquecer: ele exagera nos pedidos, ou seja, acresce direitos além daqueles que seu cliente faz jus. Ele explicou: "Se o sujeito procura um advogado qualquer, vai receber X. Se me contrata, vai receber 3X. Eu exagero mesmo, porque se der revelia...". 
          
        Quando eu cheguei em casa, por causa daquela bruxaria jurídica, eu me vi emergencialmente obrigado a correr para o banheiro, com náuseas pontiagudas. Eu me apressei em consultar o google no celular para descobrir que revelia é a ausência da parte na audiência em que ela teria a possibilidade de se defender. Se isso ocorre, o efeito é o de se presumir a veracidade de todos os fatos que foram mencionados na petição inicial.
          
              Saquei: se o sujeito realmente trabalha de 7 às 18 horas, de segunda a sexta-feira, o advogado inventa que ele presta serviços de 7 horas às 21 horas porque, se a empresa não for na audiência, o juiz vai condená-la a pagar seis horas extras diárias ao invés das três a que ele realmente teria direito (eu custo a acreditar que possam existir juízes tão ingênuos e indiferentes assim). E se a empresa for e se defender, o insucesso da aposta do advogado não lhe trará outras consequências. Ele vai renovar impunemente o jogo no dia seguinte. 
        
            Eu só sei que esse tal de honorários de sucumbência também é uma coisa meio estranha. Se o João tem dez mil para receber e o devedor não lhe paga espontaneamente, ele acaba sendo obrigado a contratar um advogado para receber na justiça o seu crédito. Se o juiz dá razão ao autor da ação, isso significa que ele deve receber exatamente os dez mil reais a que tem direito. Se tive de pagar ao advogado dois mil reais de honorários, ele vai receber oito mil reais, ao invés dos dez mil que lhe são devidos. Para que ele não sofra diminuição patrimonial, o justo é que a parte contrária seja responsabilizada pelo pagamento dos dois mil reais ao advogado contratado pelo autor da ação: está aí a justificativa para a existência dos tais honorários de sucumbência.
          
          Só que não é assim que acontece: no frigir dos ovos, quem fica com estes honorários é o advogado. Acaba que, ao final, usada a fórmula do advogado do botequim, o trabalhador vai receber menos do que aquele que contratou. Dos dez mil reais, o imposto de renda abocanha 27,5% (R$2.750,00). Dos R$7.250,00 que sobram, retirem-se 30% sobre dez mil reais para o advogado. Sobram R$4.250,00. O advogado vai receber ainda mais 20% de sucumbência (R$2.000,00). Ao final, dos dez mil reais que o juiz mandou pagar, o trabalhador ficará com R$4.250,00 e o advogado com R$5.000,00.  Vê se pode?  
        
        Eu acho que a profissão mais bem paga do mundo é a dos advogados. Afinal de contas, no contexto acima, receber 50% do valor devido ao autor da ação é algo bastante inusitado, não é?
       
        Não é só o Anaclínio que está levando uma surra no ringue. O trabalhador que contrata advogados espertalhões acaba ganhando mais do que merece. O jeitinho brasileiro no mundo jurídico é um jeitão impiedoso, de dar inveja aos melhores arquitetos do crime. No embate entre o pedido e a defesa, a virtude da honestidade leva uma surra de dar dó! O pior é que esses excessos acabam sugando para a velhacaria muitos adeptos, com a força de um vácuo. Na voz do vento, a mensagem da vilania se espraia. 

        A verdade é que essa gente só será realmente indispensável à administração da justiça quando almejar exatamente o bem de vida a que seus contratantes fazem jus. É sem remédio a ganância advocatícia?
          
          Opa, soou o gongo! Daqui a pouco vai começar o terceiro round.