quinta-feira, 4 de setembro de 2014

AVENTURA XIII – SEGUNDO ROUND - O GENERAL RESPONDE

“Miséria. Baixeza do homem até submeter-se aos animais, até os adorar”. Pensamentos. Blaise Pascal

“Meus olhos são pequenos para ver o general com seu capote cinza escolhendo no mapa uma cidade que amanhã será pó e pus no arame” – Carlos Drummond de Andrade

“Fardado, Você também é explorado – aqui!, Por que você não abaixa essa arma, O meu direito é seu dever, por que você não usa essa farda, Pra servir e pra proteger (...) Ponha-se no meu lugar, ponha-se no seu lugar, Ponha-se no meu lugar, no meu lugar”- Titãs.


Eu sempre disse que é preferível uma democracia falha do que uma ditadura. Saiu até nos jornais. Literalmente! Eu repito: uma democracia falha é infinitamente melhor do que a ditadura e a própria democracia, que nunca deve funcionar plenamente. Por isso eu tenho certeza de que os tempos de hoje são muito piores do que os de antigamente.

       Hoje em dia acabaram com os atos institucionais. Morro de saudades do AI-5 . Na atualidade, a sociedade está hipnotizada por aiphones, aipédis, aipódis! Os meninos nem sabem mais conversar! É só teclar o dia inteiro. Acaba que, por falta de homens, as meninas estão até se experimentando, tenente! A verdade é que os pais perderam o controle. Basta ver que as escolas esculhambam com a educação dos filhos dos nossos filhos. Até excluíram das grades curriculares a disciplina de Moral e Cívica. É o caos! (O Tenente meneia a cabeça em sinal de solidariedade).

Nem se tem mais, hoje em dia, a liberdade de prender e torturar o resto de comunistas que andam por aí. Ninguém mais tem respeito por nós, os militares, que sempre garantimos a segurança da nação contra os ambiciosos projetos de dominação bolcheviques.
__ Sim, Senhor! Disse o Tenente. __ Os tempos mudaram, General! Ninguém dá mais valor aos heróis de verdade!  

Você veja só que situação: em 1960 leu estava superpreocupado como nunca com o nosso Brasil, este impávido colosso, enquanto o Presidente João Goulart, meu compadre, abria as portas do gabinete presidencial para um bando de sindicalistas e para a gentalha do partido comunista. Ora, quem fala em reforma agrária e distribuição de riquezas não pode ser levada a sério. Aquela gente queria mesmo é acabar  com o nosso Brasil. __ Sim, Senhor. Disse o Tenente! Queria sim! E se não fosse pelo Senhor, eles teriam conseguido!

Francamente, o Popeye (General Mourão Filho) fez muito bem em mandar as tropas para o Rio de Janeiro! E depois dele o efeito veio em cascata. Você  acredita que o João Goulart , em 31 de março de 1964, ainda teve a audácia de me ligar, coitado, para pedir meu apoio contra a revolução? Sabe o que eu disse? __ Compadre, eu te apoio, sim, mas você precisa por todo esse bando de comunistas, urgentemente, para fora do seu governo! Essa gente é o lixo do detrito! Jogue-os no vaso!

Tenente, como é que um Presidente da República pode ter gratidão e honestidade ideológica? Sabe o que o Jango me respondeu?  __ Não posso trair meus camaradas! Eu cheguei ao governo por conta do apoio dos sindicalistas e comunistas. Não vou abandoná-los agora. Aí eu arrematei: __ Se é assim, compadre, não podemos fazer mais nada! E o Jango foi que nem galinha assustada voando para o Uruguai – terra da canalhagem vermelha – enquanto nossos zelosos militares chegavam na Guanabara armados até os dentes (os olhos do interlocutor brilhavam que nem constelação).

Pois é, Tenente, entre 2014 e 1960, eu fico com os velhos e bons tempos. Naquela época havia a saudosa escuderia Le Cocq, que fazia um exemplar serviço de limpeza, pois que pegava a bandidagem e lhes dava um tratamento condigno: era pau-de-arara a torto e a direito e ainda se produziam uns presuntos por aí (ele libertou um sorriso de favelado quando ganha a primeira bola de futebol).

Pois eu morri em 1976, aos 95 anos, tenente! Uma insuficiência respiratória infalível! Mas enquanto vivi, eu sempre zelei pela saúde deste nosso Brasil. Ah, se zelei! Com aquele um milhão e duzentos mil dólares que eu recebi do governo dos Estados Unidos para apoiar a deposição do Presidente da República, eu comprei um bocado de fazendas para ajudar o Brasil a se enriquecer. Eu amava aquelas fazendas, menos uma, lá do interior do Estado do Espírito Santo, que tinha plantação de cacau. Você acredita que um trabalhador de uma das minhas fazendas – que eu devia ter sumido com ele –, me levou na Justiça? Quando isso aconteceu eu era Ministro da Guerra, e fiquei tão revoltado com tanta ousadia, que eu jurei que aquele caboclo nunca ia ver a cor do dinheiro. Você acredita que o oficial de justiça chegou a ir lá na fazenda e me disse: __ General, o Senhor assina este mandado aqui, porque o Senhor está sendo citado! Eu lhe disse: __ Não assino não! Só assino por ordem de meu superior, que é o Ministro do Exército! Ele se virou e foi embora. Quando ele virou as costas, eu cheguei a engatilhar o revólver, tenente...

Veja só onde chegamos? Hoje, minha honra e história estão sendo manchadas, tenente! É um absurdo: uma advogada, com mais culhões do que muitos de seus colegas, ressuscitou a causa, e a Justiça do Trabalho obrigou meus herdeiros e as pessoas que compraram a fazenda da minha viúva a pagar ao Anaclínio – era este o nome da peste! – mais de dez mil reais?! Isso é uma vergonha! Não é pelo dinheiro, você sabe disso, Tenente! Dez mil é merreca prá mim! A questão é moral! Como é que pode um Marechal do glorioso Exército Brasileiro ser obrigado a pagar alguma coisa para um trabalhador rural? É o cúmulo da insubordinação! Se eu ainda estivesse no poder ia fazer mais uma revolução: __ Prenda o juiz e corte-lhe a cabeça. O mundo está mesmo perdido, Tenente. Estão acabando com a impunidade! O Tenente balançava a cabeça em sinal de aprovação.

Ainda bem que eu morri, tenente, porque eu não conseguiria viver no mundo atual. As coisas estão completamente fora de lugar!    
O tenente diz: __ Apesar de tudo, o Senhor ainda é um herói nacional, mesmo que esteja morto! Aliás, se o  senhor me permite, eu acho mesmo é que o senhor devia ser beatificado, porque fez o milagre de impedir que os comunistas tomassem conta do Brasil. Se não fosse pelo senhor, a bandeira nacional estaria pintada de vermelho! Depois, o Senhor tem um currículo invejável: foi até deputado federal e...

          O telefone aborta os elogios: __ Alô! Sim, só um instante, vou ver se ele está? __ General, é para o Senhor. É DEUS! __  Tenente, diga a ELE que eu não posso atender agora, que estou muito ocupado, que é para ELE ligar amanhã! O General, irritado, deixou o Tenente pensando sozinho e retornou ao mais profundo subterrâneo rumo à fornalha!