quinta-feira, 28 de agosto de 2014

AVENTURA XIII – INTERVALO ENTRE O PRIMEIRO E SEGUNDO ROUND - QUANDO A PETIÇÃO INICIAL NOCAUTEIA O DIREITO DA PARTE

                                 "O que me desgostou da profissão de advogado é o fato de quererem encher meu cérebro com uma profusão de coisas inúteis. Ao fato é minha divisa"- Voltaire.


                                   Enquanto o árbitro propagandeia as virtudes dos lutadores e as popozudas mostram uma musculatura esquisita, de tão masculinizada e tatuada, eu aproveito o tempo para fazer algumas reflexões.

                                   Nas minhas visitas às audiências e aos autos de inúmeros processos judiciais, eu aprendi que o juiz não pode agir sem que a parte o provoque a prestar jurisdição através de um advogado. Isso significa que, em grande medida, o sucesso ou insucesso de uma ação judicial – leia-se: a condenação ou absolvição da outra parte –, depende da extensão dos conhecimentos técnicos e do dispêndio de energia e interesse, que o profissional venha a ter pela causa. Por isso, é indispensável que a parte não poupe esforços na seleção e escolha do advogado que vai ficar responsável, do início ao fim, pelo acompanhamento da ação.

                                     Se eu fosse um advogado, ao provocar o juiz através de uma petição inicial – é este o nome da peça que inicia um processo -, eu teria muito cuidado em narrar os fatos para convencer o julgador de que a razão estava do lado do meu cliente.

                                   Eu faria com que a minha petição inicial fosse composta por elementos fáticos que permitissem ao juiz decidir o caso como se ela fosse a única peça existente nos autos do processo. Do seu teor – que deve ter sempre uma medida certa –,  o juiz poderia ser capaz de extrair todos os fatos suficientes para que pudesse decidir. Jamais seria uma inicial gordurosa, repleta de fatos insignificantes e descrições sem valor. Nem seria esquelética e raquítica, com ausência da descrição sucinta dos fatos que poderiam produzir os efeitos almejados por mim. Eu penso que, se a inicial tivesse esse grau  qualitativo de autonomia – ser suficiente, por si só, para a formação da decisão do juiz –, as chances de sucesso seriam bem maiores. Está aí a definição ideal desta peça que, já disseram, deve funcionar como um projeto de sentença. Aliás, se é correta a ideia de que a inicial é o alicerce da última decisão do juiz no processo, talvez esteja aí o motivo de muitas sentenças parecerem peças de arte surreal, contaminadas pelos defeitos da peça inicial, que não foram corrigidos no tempo certo, pois que de seu conteúdo não se chega a um convencimento de que, de fato, o pedido mereceu ser acolhido ou rejeitado pelo juiz. A decisão, ao invés de pacificar, acaba piorando o estado de angústia da parte.

                                   Eu vejo que o advogado do Anaclínio, na petição inicial, passou longe desta minha perspectiva otimizada de construção da petição inicial. Ele se limitou a dizer, simplesmente, que o trabalhador fazia horas extras e recebia quantia inferior ao salário mínimo. Com tanta exiguidade fática,  o juiz, na hora de decidir,  deve ter ficado perplexo. Ora, como pedir o pagamento de horas extras se sequer o horário em que os trabalhos eram iniciados e terminados tenham sido expostos? Como pedir diferenças salariais quando nada se diz sobre o salário que era devido e nenhuma informação se deu sobre o valor que era pago? Para que a petição inicial fosse apropriada teria sido necessário dizer que o Anaclínio começou a trabalhar, por exemplo, às sete horas e terminava o labor às 22 horas, de segunda-feira aos sábados, com uma hora de intervalo para almoço e, ainda, que ele recebia apenas 60% do salário mínimo.

                                   O problema é que o universo judiciário está composto por advogados e  “devogados”: aqueles são profissionais que zelam pelo bom nome da advocacia, pois estudam as leis e a jurisprudência e refletem eticamente sobre o direito dos clientes, cuidando de redigir petições iniciais aptas; os outros, são pessoas que arrebentam com os limites éticos que devem nortear suas ações e pedem certas coisas, carecas de saber, que seus clientes, não tem os direitos almejados, transformando os processos em jogos de sorte e azar. Eu sinto que quando a petição inicial nasce ambígua, abstrata, insegura, desmazelada, tudo isso se reflete no espírito de quem vai decidir, pois que, ao invés de facilitar, ela acaba por exigir um esforço enorme de quem a lê e, normalmente, não tem lá muita disposição para esvaziar o tanque de combustível interpretativo de fatos que sequer foram mencionados. Ora, não se pode exigir dos juízes exercícios de adivinhação. 

                                   Na lógica fanghorgiana, se a petição inicial é frágil faticamente, por coerência, a decisão que se seguirá tem tudo para padecer de idêntico vício: sem a descrição ideal dos fatos que respaldam os pedidos, o desfecho será fatídico para todos, pois que o juiz terá produzido, sem culpa, um arremedo de justiça. Em síntese: se a inicial é ruim, não se poderá esperar grande coisa da sentença, pois o juiz não tem o dever de produzir milagres.

                                   No final das contas, acaba sendo muito mais fácil aos “devogados” convencer o contratante de que perderam a causa por culpa do Poder Judiciário ao invés de reconhecerem os próprios erros. Vale dizer, a petição inicial, numa luta judicial, pode massacrar o direito da parte.