"Eu não devia te dizer, mas essa lua, mas esse conhaque, botam a gente comovido como o diabo"
- Carlos Drummond de Andrade
É
impressionante o efeito que as roupas causam no ego: lá estava eu, com sapato
preto engraxado, meia escura, terno cinza chumbo, que herdei de meu avô (que se
orgulhava de dizer que era de tropical inglês), camisa branca de linho e gravata
vermelha: toda aquela parafernália me dava a sensação de ser mais gente do que
de costume.
Havia
muitas pernas na sala de audiências, porque várias acadêmicas de direito
compareceram para satisfazer exigências estudantis. A coreografia era básica: umas ao lado das
outras, os joelhos apontavam na mesma direção; as mãos seguravam celulares enquanto
os indicadores, rápidos, pulavam nos teclados e, por fim, o bocejo de uma
provocava um efeito em cadeia. A cena farsesca merecia ser fotografada, mas eu
acidentalmente estava desprevenido...
A
moça que estava ao lado do juiz chamou as partes pelos nomes. Elas vieram com
seus respectivos advogados e sentaram-se à mesa. A senhora que estava do lado
esquerdo parecia assustada de tão tensa; o senhor, que ficou defronte, se
sentia em casa.
A
autora da ação, que se chamava Ana Paula, disse ao juiz que: tinha 33 anos de idade;
foi obrigada pelo patrão a pedir conta; estava sentindo muita dor na coluna por
causa do volume de trabalho prestado de 8 às 19 horas. A senhora tinha o rosto
amargurado, como se as dores não lhe dessem trégua; ela parecia ter quase
sessenta anos. Havia um jeito sincero de ser e de dizer, a tal ponto que a
jovem senhora velha não hesitou em admitir que nunca havia sofrido nenhum dano
moral nem humilhações... nesse instante o juiz fez uma cara de interrogação e,
na outra banda, o dono da empresa aprisionou um sorriso que queria gargalhar
sem censura...
Eu
logo vi que ali duelavam a ingênua esperança de quem quer justiça, de um lado,
e, de outro, a arrogante velhacaria ambiciosa de gente que não hesita em
explorar o trabalhador.
De
repente – enquanto os advogados discutiam se deveria ser pago mil ou mil e
quinhentos reais –, a moça desabou em lágrimas: veio lá do fundo da alma dela
uma voz hercúlea e imponente que atirou o cinza chumbo do meu terno de tropical
inglês para todos os lados atingindo com mira telescópica a indiferença de
todos nós. Ela esbravejou: __ A empresa precisa entender que funcionário não é
cachorro!