“Você nunca realmente perde até parar de tentar”
Mike Ditka (jogador e técnico de futebol americano)
“Ninguém jamais se afogou no seu próprio suor” –
Ann Landers
A
pancadaria está comendo solta! Depois que a sentença condenou o general a pagar,
ao Anaclínio, diferenças salariais, férias e repouso semanal remunerado, a dignidade
do trabalhador virou saco de pancadas! Eu sinto que paira no ar um “ai” sangrando,
azedo, cansado de sofrer uma dor silenciosa, que arde com a indiferença
daqueles que se satisfazem apenas com o gesto de assistir ao espetáculo.
A
verdade é que o juiz produziu uma sentença perneta, de tão abstrata. Ele reconheceu
que as férias e as diferenças salariais deveriam ser “atribuídas” ao Anaclínio.
Todavia, deixou de traçar qualquer parâmetro para a futura quantificação destas
parcelas – quanto percentualmente se pagou do salário mínimo? –, o que
inviabilizou a apuração, criando um terreno fértil para infindáveis discussões.
Quando isso acontece – a falta de zelo do juiz! –, surgem números mirabolantes,
porque a matemática se sujeita às contas que só a malícia dos advogados é capaz
de produzir.
Para
escurecer ainda mais a tela, que já não estava bonita, o juiz mandou que o
simples trabalhador rural voltasse a trabalhar na fazenda – o nome que o juiz
deu a isso é reintegração –, já que, segundo ele, não haveria incompatibilidade
para que os lutadores litigantes coexistissem. Alguém seria capaz de imaginar cena tão romântica como esta? Depois de levar um general no pau, o
trabalhador retorna ao emprego, sendo recebido com um abraço tão carinhoso, que
escancara suas vísceras como ácido sulfúrico dançando na pele ao som musical do
Rei Roberto Carlos cantando “eu voltei, agora prá ficar, porque aqui, aqui é
meu lugar”. Francamente, é algo como recomendar à ovelha que vá até a casa do
lobo mau depois da abstinência carnívora imposta pela Semana Santa.
Se o
Poder Judiciário pudesse ser representado por algum personagem do folclore
brasileiro, com certeza, quem definiria melhor sua imagem seria o Saci Pererê.
Para quem o desconhece, o Saci é uma figura de uma perna só, que anda com um
cachimbo pendurado na boca, usa uma carapuça vermelha e adora aprontar
travessuras. A figura adora sacanear toda gente. Nunca lhe falta a molecagem de
se divertir com a preocupação das pessoas quando ele some com seus pertences.
Ora,
todos sabem que um sujeito, que tem uma perna só, terá sua locomoção e
agilidade reduzidas. Além do mais, existe atitude mais fora de moda do que
fumar cachimbo?
O juiz,
em 23 de maio de 1975, ordenou que o oficial de justiça fosse na fazenda do
general dizer que ele tinha de pagar o que devia ao Anaclínio. Isso só ocorreu em
23 de setembro de 1975. O pior é que o general não foi encontrado na fazenda. O
documento que continha a ordem do juiz foi devolvido no cartório civil. O
processo só voltou a andar em 14 de agosto de 2012. Por quase 37 anos nem o advogado,
nem o juiz, nem ninguém, fizeram qualquer coisa para que a ação voltasse a
andar. Haja incompetência!
O
Poder Judiciário precisa ter honra! A melhor maneira de extrair o significado
prático desta palavrinha, no mundo judiciário, é cuidar, a sentença, de sair do
papel, fazendo-se respeitar. Ora, a atividade do juiz não se pode esgotar no
simples ato de condenar. A condenação precisa ter vida real, que só existirá quando
o comando contido na sentença for cumprido. Que pague quem deve! A ineficácia
da execução personifica, na maioria das vezes, o descompromisso funcional do
sujeito que julga. Não pode haver um abismo entre o direito reconhecido na
sentença e o dinheiro que deve representá-lo. A indiferença perante tal
distanciamento representa um escárnio ao valor justiça. O juiz precisa tirar o
traseiro da poltrona e desenhar, com garra e perseverança, um enredo mais
bonito para sua decisão, que não pode ficar parada, à-toa, sem ser
concretizada. Ele precisa ser solidário à angústia do credor. Juiz que é juiz
de verdade se preocupa com os desígnios da sentença. Se for preciso, entre no
ringue, Excelência, e soque, soque, soque até a sentença pulsar. Não poupe energia.
Para a virtude de fazer valer a sentença cabe uma overdose de entusiasmo.
O
general morreu em 1996, quando tinha 95 anos de idade, sem pagar nem um tostão.
O Anaclínio continou vivinho procurando seu dinheiro por mais de 50 anos. As
pernas estão descalcificadas e bambas, tanto quanto a fé na justiça. Vai ver
que foi o Saci Pererê, de toga, disfarçado de Pôncio Pilatos, que escondeu o dinheiro
do pobre trabalhador debaixo do tapete.
Enquanto
isso, no ringue, o público histérico vai crescendo em consciência e maturidade
e, por isso, começa a zombar, bater e cuspir sem modos... Em quem?