“Não
pretendo ficar me torturando, nem a ti. Por que insistes em perguntar? Não hás
de me convencer a falar. Não, não falarei. Esbraveja à vontade. Que coisa
terrível é saber a verdade, quando a verdade não traz alívio. Tu me forçaste a
falar. Eu não queria” – Tirésias ao ser pressionado por Édipo a falar.
O
Anaclínio processou o General por intermédio de um advogado a quem coube redigir
a petição inicial, que é a peça que faz nascer a ação judicial. Quando a gente
chama um advogado para cuidar da demanda, qualquer um de nós imagina que ele
seja capaz de dar conta do recado. Para que o direito da parte seja alcançado,
é preciso que o causídico tenha a capacidade de investigar e identificar os
fatos importantes para respaldar os pedidos
que vão ser feitos.
Eu
percebi que o profissional contratado pelo desafiante omitiu fatos essenciais
para que o juiz compreendesse bem as circunstâncias do conflito entre o
trabalhador rural e o general e pudesse decidir a lide com clareza e justiça.
O
advogado disse pouco ao narrar que o trabalhador “sempre recebeu pagamento
insignificante, que mal dava para amenizar o seu deplorável estado de
necessidade” e, pior, deixou de dizer que o Anaclínio recebia parte de seu
salário mensal através de mercadorias adquiridas no armazém do patrão. Ao
noticiar, por exemplo, que o ex-empregado, antes do ano de 1960, “recebia
salário inferior a mil cruzeiros mensais”, o advogado mostrou-se incapaz de
colher, escolher e narrar os fatos vitais para que as funções processuais
fossem bem absorvidas e saudavelmente desenvolvidas. Aliás, o processo só é verdadeiramente
saudável quando, através dele, o litigante recebe exatamente o bem da vida a
que tem direito, nem mais, nem menos.
Eu
sinto que quando a coisa começa errada e não é corrigida logo no início, por
displicência do juiz – eu tenho a impressão de que ele não lê o processo antes
da audiência –, o erro toma forma, propaga-se, avoluma-se, cresce que nem bolo
de casamento, incha, engordura-se, fica forte, e acaba tomando jeito de sujeito
ruim que fede na política sem dó da gente.
Ora,
teria sido ótimo se o advogado fosse mais objetivo, dizendo, por exemplo, que o
trabalhador auferiu quantia equivalente a 60% do salário mínimo vigente na
época em que o pagamento era devido. Se tivesse mais zelo e técnica, o juiz, na
sentença, poderia ter sido mais preciso, ao invés de gerar uma condenação tão
abstrata e incapaz de produzir segurança jurídica, como foi a de mandar pagar
diferenças salariais sem indicar os parâmetros. Ou poderia ter sido menos
insensível. Ora, mandar que a ovelha voltasse a trabalhar para o lobo – o juiz determinou
que o Anaclínio voltasse a trabalhar na fazenda do general – é a piada mais sem
graça que já ouvi na vida! Lembra Auschwitz!
Eu
aprendi que a sentença é a última e mais importante decisão de um processo,
tanto quanto o intestino grosso é a parte final do trato digestivo.
A
petição inicial tem a nobre missão de selecionar e decompor os fatos, filtrando
as situações especiais para que elas possam produzir efeitos jurídicos. A
petição inicial me faz lembrar da flora intestinal que, apesar de conter muitas
bactérias, produz vitaminas ou, ao menos, ela deveria funcionar como o colo do
intestino grosso, que transforma os resíduos do intestino delgado numa forma
mais sólida, que o corpo excreta como fezes através do reto e do ânus.
Eu
também sou forçado a dizer a verdade, que não me traz nenhum alívio: tanto uma
parte significativa da sentença quanto o intestino grosso existem para secretar
fezes. A sentença é o ânus da petição inicial. Ela precisa ter função
purificadora e higiênica, vocacionada para pacificar os ânimos dos litigantes.
Em
síntese, quando a petição inicial não presta, ou contém deficiências graves, que
não foram reparadas no momento oportuno, o processo acaba demorando demais da
conta, dá uma enorme dor de barriga, causa muita angústia e produz um doloroso arremedo
de justiça capenga e uma catinga fedorenta demais que nem ouso descrever!