terça-feira, 22 de julho de 2014

Aventura X


“Aquele que anda de rastos como um verme, não se pode queixar de que foi calcado aos pés” 
– Kant


       Eu entrei na sala de audiências e procurei logo um cantinho em que pudesse ficar tanto quanto possível meio clandestino. Já estava sentindo falta daquela adrenalina. Aprendi que ser o primeiro a chegar não é aconselhável. Além disso, passei a buscar salas de audiências que contassem com a presença de mais pessoas. Assim seria menor o risco de eu entrar na alça de tiro armada pelo olhar impaciente da maioria dos juízes que conheci, facilmente antipatizados com a presença de gente interessada em ver os acontecimentos ao seu redor.

    Lá estava eu, acostumado com o enredo comum das audiências: a busca insistente do acordo ditava a direção dos diálogos. Ao que pude perceber, a moça, que não conseguia olhar para lugar nenhum, de tão nervosa que estava, queria que o juiz reconhecesse que ela trabalhou como empregada para o senhor que estava do outro lado da mesa, que parecia um deputado em época de campanha, de tão articulado, tendo dito que nada devia porque, na verdade, ele deixou a moça morar na sua casa para ajudá-la, como se ela fosse sua filha.

    O juiz não se mostrou surpreso. Parece que ele estava habituado com aquele tipo de argumentação emocional, que foi logo rebatida assim: __ Escuto isso aqui quase todos os dias. Se o senhor realmente quisesse ajudá-la, não teria exigido que ela limpasse sua casa, lavasse suas roupas, preparasse sua comida e sei lá mais o que. Portanto, essa sua conversa não me impressiona nem um pouco!

          O senhor levantou os ombros e olhou para o juiz espantado, como se tivesse ouvido o maior absurdo do mundo. Em seguida, ele mergulhou no pensamento e, ao voltar à superfície, abriu mansamente uma bíblia em cima da mesa e disse, em voz de discurso: __ Eu aceito pagar esse valor que Vossa Excelência sugeriu. Mas eu só tenho um medo (e apontou o dedo indicador para a moça): o de que ela saia desta sala e, arrependida, se enforque como Judas, de tanto remorso.

       De repente o tempo fechou! Caramba, eu senti que o juiz segurou o vômito! A sua face enrubesceu. Ele fechou os punhos e deu uma porrada muito forte na mesa que lhe deve ter machucado a mão. E disse, imponente, seguro, enérgico, sem hesitar, com muita elegância e austeridade, com voz de galã de cinema: __ Eu não admito que o senhor venha fazer chantagem emocional com base na sagrada escritura. Eu não admito que o senhor invoque o nome de Judas Iscariotes para constranger a trabalhadora que não recebeu os direitos trabalhistas que seu pecado de ganância surrupiou.... E aumentou o tom de voz: __ Feche agora esta bíblia! E saia desta sala de audiência. A partir de agora só seu advogado tem a palavra.

       Veio rapidinho a lembrança do episódio da expulsão dos vendilhões do templo por Jesus. Eu estava de acordo com a atitude zangada do juiz: tanto a casa do Senhor quanto a casa da Justiça não podem ser transformadas em covil de comerciantes empenhados em desvirtuar a destinação do lugar. Ora, usar a bíblia para humilhar e explorar a trabalhadora é o cúmulo da sacanagem capaz de despertar a mais perfeita e justa indignação de quem quer que seja.

           Eu fui embora muito impressionado. Sala de audiência não é campo de futebol onde as pessoas podem dizer os absurdos que seus intestinos quiserem. Lá existe um juiz prontinho para exorcizar os demônios que o capitalismo costuma produzir.









segunda-feira, 21 de julho de 2014

M E S V E R S Á R I O



Acabei de chegar em casa com um enorme bolo para uma comemoração muito especial.

A primeira postagem do www.herniadepirilampo.blogspot.com.br foi feita em 21 de junho deste ano. Isso significa que o pirilampo completa um mês de aniversário. E se ao nascer ele carregava apenas uma tímida luzinha em seu corpo, com 2240 acessos até a data de hoje, ele tem a superlativa sensação de que é um farol em mar revolto com a vocação de encontrar e iluminar viáveis caminhos brandos.

Sei que as aventuras arregalam os olhos de muita gente que não hesita em xingar minha inofensiva mãezinha e ver no humilde voo do pirilampo um movimento de petulância imperdoável. No entanto, tem pessoas que parabenizaram a iniciativa; há, também, como vocês imaginam, um exército de línguas maledicentes que miram as metralhadoras para os céus e disparam fogos de artifício. Estes sujeitos bélicos são o principal alvo de nosso agradecimento porque ao incomodá-los com a luz suave e amiga do pirilampo surge a esperança de que se autoexplodam em reflexões transformadoras para o bem, por favor!

Das muitas pérolas de opinião eu colhi as seguintes: “o blog deve ser de um advogadozinho babaca que nunca conseguiu passar em concurso para a magistratura”; “o blog realmente é muito bom, desde o nome, inusitado, até a estética, e o conteúdo, bastante ousado no posicionamento critico e necessário sobre a realidade que o pirilampo conhece tão bem”; “os textos revelam a constatação de um mundo real, percebida pelos olhares atentos e um espírito diferenciado”; “Fan Ghór brinca com as palavras. É fantástico!”; “o blog é bem interessante. Concilia (talvez por ordem do CNJ...) drama e humor em narrativas envolventes. As histórias são, mesmo, de embrulhar o estômago. Ou como digo: é de se autodecapitar! Parabéns ao Fan Ghór!”; “Fan Ghór é o Indiana Jones jurídico!”.

Especialmente, a criatura ficou lisonjeada com os seguintes comentários: “É figura interessante. Um inseto noturno. Diz as verdades que não podem ser ditas à luz do dia. Unguento para o fastio que brota do teatro judicial. Vida longa ao pirilampo!”. E: "Meu Deus, como pude adiar a leitura desse blog. É sensacional! Que bom gosto. Que riqueza literária!De agora em diante, leitura obrigatória!".   

Vivaahhh! Tudo muito bonito, porque o importante é o fato de as pessoas se manifestarem, ainda que contra, ou a favor, das ideias pirilampescas nascidas de um complexo de inferioridade carregado de fé: com um pouquinho de luz a gente pode acender a boa vontade dos formadores de opinião. Eis a magia da liberdade de expressão!

Hora de alimentar o pirilampo com o bolo de aniversário para que ele tenha cada vez mais e mais energia para produzir luz construtiva de um mundo melhor!


Beijo agradecido do FAN GHÓR!