terça-feira, 29 de julho de 2014

Aventura XI

“É justamente essa qualidade indizível da metáfora que é o coração mesmo dessa força de induzir uma mudança” 
– J.C. Mills e R. L. J. Crowley


  Fui animadinho contar para mamãe que fui parar no 9ª Distrito Policial de São Luís para filmar mais um round entre um juiz e muitos advogados. Antes que eu continuasse a contar minha aventura, ela sentenciou, na lata: __ Filim, ocê é mesmo um asno, né? Ela não se conforma com esse meu jeito de viver a vida perigosamente. Ela receia que a magistratura mande me prender por causa dessa vontade insaciável que eu tenho de assistir audiências como se fossem filmes de cinema.

Pois eu estava na 6ª Vara Cível do Fórum Desembargador Sarney Costa e fiquei impressionado com a cena rocambolesca de um advogado invadir o gabinete de um juiz – que naturalmente se encontrava com a porta fechada –, sem se dirigir previamente ao balcão de atendimento. Ora, um juiz é uma autoridade pública e, até por questões de segurança, não deve trabalhar com a porta aberta. Já do  respeitável profissional liberal que é o advogado, é de se esperar que observe regras básicas de educação e cordialidade no convívio com as autoridades e servidores da justiça.

Na minha estupidez hereditária, eu jamais discutiria com um flanelinha que se dispusesse a tomar conta do meu carango porque ele poderia rabiscar o meu veículo como se fosse uma folha de papel. Da mesma forma, não me parece uma boa ideia bater boca com um juiz, que é tão ser humano quanto o flanelinha, ora bolas!

O fato de mamãe ter me chamado de jumento despertou em mim reflexões animalúcidas.

Na selva de pedra em que vivemos, ninguém mais tem medo de leões, cuja população remanescente se encontra em perigo de extinção. Do pequeno contingente que existe, alguns espécimes descansam e dormem na maior parte do dia, ao que parece, acomodados com a tímida proteção que o governo lhes dirige. Os que passam longe de hábitos crepusculares têm tido enorme dificuldade de demarcarem seus territórios, frequentemente invadidos por hienas – normalmente indiferentes ao rugido envelhecido e cansado dos felinos –, que se encontram espalhadas por todos os cantos do mundo. Para elas, não faltam carcaças de animais para alimentarem seus apetites vorazes, tratando-se de um povo naturalmente tão agressivo ao ponto de comerem uns aos outros. Aliás, eu soube que as hienas já nascem com os olhos abertos e os dentes inteiramente formados e, como não são bobas, formam bandos para se guarnecerem e fortalecerem.

Na frente da delegacia, o blu-ray mostrou os advogados produzindo um som parecido com o da risada de hienas. Na outra ponta do ringue, o juiz administrava heroicamente a vontade de estrangulamento.

Coitado do delegado. Acostumado a lidar com traficanfes, travestis, ladrões e brigas de mulheres e maridos, o chefe da polícia deve ter ficado muito espantado ao ver que  naquele instante teria a missão de  apaziguar os atores da justiça que, descontrolados, miravam as respectivas jugulares com dentes caninos. Não seria fácil desvendar se o enredo do show era de abuso ou desacato à autoridade, ou se se tratava de um simples chilique plural de pessoas muito vaidosas que tem o ego exageradamente inflado. Imagina: se os protagonistas da casa da justiça – a elite cultural do país –, não eram capazes de conter seus instintos mais cavernosos, o que se poderia esperar da briga proveniente da gente que habita a periferia? Pobre de nós, simples mortais, que temos neles o exemplo da ideal compostura!

Às vezes, sinto que o mundo é um zoológico! Gente acaba se comportando como animal selvagem! Eu mesmo, como mamãe disse, sou um jegue teimoso e muito tapado! Além do mais, eu acho que ninguém vai estranhar se passar por aqui, muito apressado, o coelho branco de olhos cor-de-rosa, do Lewis Carroll, olhando o relógio, superpreocupado com a demora na solução dos processos judiciais que constavam na pauta de audiências adiada por conta da triste briga do advogado e do juiz.