“É
justamente essa qualidade indizível da metáfora que é o coração mesmo dessa
força de induzir uma mudança”
– J.C. Mills e R. L. J. Crowley
Fui animadinho
contar para mamãe que fui parar no 9ª Distrito Policial de São Luís para filmar
mais um round entre um juiz e muitos advogados.
Antes que eu continuasse a contar minha aventura, ela sentenciou, na lata: __
Filim, ocê é mesmo um asno, né? Ela não se conforma com esse meu jeito de viver
a vida perigosamente. Ela receia que a magistratura mande me prender por causa
dessa vontade insaciável que eu tenho de assistir audiências como se fossem
filmes de cinema.
Pois
eu estava na 6ª Vara Cível do Fórum Desembargador Sarney Costa e fiquei
impressionado com a cena rocambolesca de um advogado invadir o gabinete de um
juiz – que naturalmente se encontrava com a porta fechada –, sem se dirigir
previamente ao balcão de atendimento. Ora, um juiz é uma autoridade pública e,
até por questões de segurança, não deve trabalhar com a porta aberta. Já do respeitável profissional liberal que é o
advogado, é de se esperar que observe regras básicas de educação e cordialidade
no convívio com as autoridades e servidores da justiça.
Na
minha estupidez hereditária, eu jamais discutiria com um flanelinha que se dispusesse
a tomar conta do meu carango porque ele poderia rabiscar o meu veículo como se
fosse uma folha de papel. Da mesma forma, não me parece uma boa ideia bater
boca com um juiz, que é tão ser humano quanto o flanelinha, ora bolas!
O
fato de mamãe ter me chamado de jumento despertou em mim reflexões
animalúcidas.
Na
selva de pedra em que vivemos, ninguém mais tem medo de leões, cuja população
remanescente se encontra em perigo de extinção. Do pequeno contingente que
existe, alguns espécimes descansam e dormem na maior parte do dia, ao que
parece, acomodados com a tímida proteção que o governo lhes dirige. Os que
passam longe de hábitos crepusculares têm tido enorme dificuldade de demarcarem
seus territórios, frequentemente invadidos por hienas – normalmente indiferentes
ao rugido envelhecido e cansado dos felinos –, que se encontram espalhadas por
todos os cantos do mundo. Para elas, não faltam carcaças de animais para
alimentarem seus apetites vorazes, tratando-se de um povo naturalmente tão
agressivo ao ponto de comerem uns aos outros. Aliás, eu soube que as hienas já
nascem com os olhos abertos e os dentes inteiramente formados e, como não são
bobas, formam bandos para se guarnecerem e fortalecerem.
Na
frente da delegacia, o blu-ray
mostrou os advogados produzindo um som parecido com o da risada de hienas. Na
outra ponta do ringue, o juiz administrava heroicamente a vontade de
estrangulamento.
Coitado
do delegado. Acostumado a lidar com traficanfes, travestis, ladrões e brigas de
mulheres e maridos, o chefe da polícia deve ter ficado muito espantado ao ver que naquele
instante teria a missão de apaziguar os atores da justiça que, descontrolados, miravam as respectivas
jugulares com dentes caninos. Não seria fácil desvendar se o enredo do show era
de abuso ou desacato à autoridade, ou se se tratava de um simples chilique
plural de pessoas muito vaidosas que tem o ego exageradamente inflado. Imagina:
se os protagonistas da casa da justiça – a elite cultural do país –, não eram
capazes de conter seus instintos mais cavernosos, o que se poderia esperar da briga
proveniente da gente que habita a periferia? Pobre de nós, simples mortais, que
temos neles o exemplo da ideal compostura!
Às
vezes, sinto que o mundo é um zoológico! Gente acaba se comportando como animal selvagem! Eu mesmo, como mamãe disse, sou um jegue teimoso e muito
tapado! Além do mais, eu acho que ninguém vai estranhar se passar por aqui,
muito apressado, o coelho branco de olhos cor-de-rosa, do Lewis Carroll,
olhando o relógio, superpreocupado com a demora na solução dos processos
judiciais que constavam na pauta de audiências adiada por conta da triste briga
do advogado e do juiz.