“...
O dar-vos quanto tenho e quanto posso, Que quanto mais vos pago, mais vos
devo”. - Camões
Antigamente
havia festanças em Roma. O Coliseu era o endereço de relevo. Os gladiadores refestelavam
a plebe rasgando-se uns aos outros. Não me faz mal refletir sobre essa roda-viva
histórica. Eu acabo percebendo que ainda sou real e tenho rumo!
Olho
para o ringue e vejo o sorriso repulsivo do general que se contrapõe ao rosto inchado
do rival que retribui a dor com trilhas de sangue e brava resistência. O rurícola
ostenta pernas que são como rochedos hercúleos que invejam os troncos das árvores
da fazenda em que trabalhou. O público regozijado, ainda assim, repudia o reacionário
militar fazendeiro, enquanto toma conta de mim um remorso deseducado que radicaliza
e repreende impiedosamente: __ O que o faz vir repousar neste recanto
judiciário? Teria sido muito melhor que ficasse recluso, em casa, lendo Gustave
Flaubert, ao invés de reverenciar esta luta absurda que tem tudo para acabar
mal. Você é relaxado como todos os outros, vencido pela imposição do menor
esforço, em constante fuga da realidade!
Mamãe
rivaliza a voz da consciência. Ela sempre retruca e diz que sou o último
romântico! Ela só se preocupa com os erres
que meu raciocínio vem relampejando, como se fosse metralhadora (ela diz que eu tenho um "ticket" nervoso. Coitada! Como a maioria dos operadores do direito, ela tem muitas dificuldades com o vernáculo). Acho que a
culpa é do estresse que a frustração ruge. Por causa disso, ronca em mim palavras
como revolta, realidade, radicalismo, ressentimento, rebeldia, reminiscência...
embora eu ainda seja jovem, parece que a maioria dos juízes, antigamente, era bem mais devota às suas profissões (bom, eu prefiro acreditar que era assim!). Talvez seja por isso que eles se remetiam ao
raciocínio de que a magistratura era um sacerdócio. No entanto, os tempos são outros,
lotados de riquezas sem reza.
Eu
creio que um advogado, quando resolve ceder à obsessão de se preparar para o
concurso público da magistratura, precisa programar-se rigorosamente também
para viver uma vida dura, que traga consigo o prazer do engrandecedor sofrimento
profissional que a busca da justiça verdadeira precisa rumorejar. É preciso relembrar
a autoconsciência do ofício, que não pode ser relevada, porque a nobre incumbência de decidir sobre a vida, a liberdade e o patrimônio dos outros, não deve, nunca, produzir facilidades. O caminho escolhido deve significar a travessia
da paixão reverenciadora da justiça a ser atingida sob todos os esforços
possíveis. A consciência de que a profissão exige uma entrega sem limites, com
ingresso em um espaço sem retorno, tem representado, infelizmente, uma ideia
rombuda e nauseabunda. O ensimesmar-se – tão comum aos magistrados do passado –, tem sido um pensamento tão retrógrado quanto o de que a masturbação enlouquece.
Ôh
Pai do Céu, como tiveram a coragem, de ser juízes, um enorme contingente de gente, que só quer se servir da magistratura, transformando-a em um banquete sem fim, rejeitado
o ideal platônico de servir a ela ao invés de servir-se dela?
O
valor da justiça está descendo veloz uma ribanceira sem fim enquanto a riqueza passou
a ser reverenciada e medida pelo volume da indiferença do riso e da impunidade.
O hedonismo voltou como um furacão e trouxe consigo, com jeito de dogma, o
rumor de que sexo é saúde (advirto: o transtorno da hiperssexualidade é uma
patologia) e de que não existe justiça sem gozo. Enquanto isso, o raivoso CNJ só
quer saber de recordes estatísticos e ralha quando os juízes não alcançam os
números planejados.
Será
que tem reparação?
A relapsa
neurose da felicidade conspira contra as virtudes públicas. O egocentrismo e o egoísmo tem maior quilate
do que o valor justiça, que vem sendo rejeitado sem dó em proveito da obrigação de ser feliz. O que se tem hoje em
dia é pouco para quitar a dívida de realizar a melhor justiça possível. Os
fatos relatam que quanto menos se paga, menos se deve. Nesse mundo em ruína que
nem o Coliseo, se o Aladim e o gênio da lâmpada mágica aparecessem aqui, eu pediria que eles fizessem a justiça
ser uma compulsão mais forte do que o consumismo e do que o sexo.
Mamãe,
desculpe-me se às vezes eu lhe falto com o respeito e acabo parecendo um sujeito
rescaldado, resmungão, respondão e ressabiado. Há tantas mensagens subliminares
que tatuam o inconsciente e o impregnam com regras inconfessáveis que a resistência em tempo de guerra fica naturalmente minada. Em resumo, meu
maior medo é ser incoerente! Ivagina se fosse diferente? Opa, soou o gongo para o quarto round!