quinta-feira, 2 de outubro de 2014

AVENTURA XIII - INTERVALO ENTRE O TERCEIRO E O QUARTO ROUND - AINDA SE FAZEM JUÍZES COMO ANTIGAMENTE?

“... O dar-vos quanto tenho e quanto posso, Que quanto mais vos pago, mais vos devo”. - Camões

Antigamente havia festanças em Roma. O Coliseu era o endereço de relevo. Os gladiadores refestelavam a plebe rasgando-se uns aos outros. Não me faz mal refletir sobre essa roda-viva histórica. Eu acabo percebendo que ainda sou real e tenho rumo!
Olho para o ringue e vejo o sorriso repulsivo do general que se contrapõe ao rosto inchado do rival que retribui a dor com trilhas de sangue e brava resistência. O rurícola ostenta pernas que são como rochedos hercúleos que invejam os troncos das árvores da fazenda em que trabalhou. O público regozijado, ainda assim, repudia o reacionário militar fazendeiro, enquanto toma conta de mim um remorso deseducado que radicaliza e repreende impiedosamente: __ O que o faz vir repousar neste recanto judiciário? Teria sido muito melhor que ficasse recluso, em casa, lendo Gustave Flaubert, ao invés de reverenciar esta luta absurda que tem tudo para acabar mal. Você é relaxado como todos os outros, vencido pela imposição do menor esforço, em constante fuga da realidade!
Mamãe rivaliza a voz da consciência. Ela sempre retruca e diz que sou o último romântico! Ela só se preocupa com os erres que meu raciocínio vem relampejando, como se fosse metralhadora (ela diz que eu tenho um "ticket" nervoso. Coitada! Como a maioria dos operadores do direito, ela tem muitas dificuldades com o vernáculo). Acho que a culpa é do estresse que a frustração ruge. Por causa disso, ronca em mim palavras como revolta, realidade, radicalismo, ressentimento, rebeldia, reminiscência... embora eu ainda seja jovem, parece que a maioria dos juízes, antigamente, era bem mais devota às suas profissões (bom, eu prefiro acreditar que era assim!). Talvez seja por isso que eles se remetiam ao raciocínio de que a magistratura era um sacerdócio. No entanto, os tempos são outros, lotados de riquezas sem reza.
Eu creio que um advogado, quando resolve ceder à obsessão de se preparar para o concurso público da magistratura, precisa programar-se rigorosamente também para viver uma vida dura, que traga consigo o prazer do engrandecedor sofrimento profissional que a busca da justiça verdadeira precisa rumorejar. É preciso relembrar a autoconsciência do ofício, que não pode ser relevada, porque a nobre incumbência de decidir sobre a vida, a liberdade e o patrimônio dos outros, não deve, nunca, produzir facilidades. O caminho escolhido deve significar a travessia da paixão reverenciadora da justiça a ser atingida sob todos os esforços possíveis. A consciência de que a profissão exige uma entrega sem limites, com ingresso em um espaço sem retorno, tem representado, infelizmente, uma ideia rombuda e nauseabunda. O ensimesmar-se – tão comum aos magistrados do passado –, tem sido um pensamento tão retrógrado quanto o de que a masturbação enlouquece.
Ôh Pai do Céu, como tiveram a coragem, de ser juízes, um enorme contingente de gente, que só quer se servir da magistratura, transformando-a em um banquete sem fim, rejeitado o ideal platônico de servir a ela ao invés de servir-se dela?
O valor da justiça está descendo veloz uma ribanceira sem fim enquanto a riqueza passou a ser reverenciada e medida pelo volume da indiferença do riso e da impunidade. O hedonismo voltou como um furacão e trouxe consigo, com jeito de dogma, o rumor de que sexo é saúde (advirto: o transtorno da hiperssexualidade é uma patologia) e de que não existe justiça sem gozo. Enquanto isso, o raivoso CNJ só quer saber de recordes estatísticos e ralha quando os juízes não alcançam os números planejados.  
Será que tem reparação?
A relapsa neurose da felicidade conspira contra as virtudes públicas.  O egocentrismo e o egoísmo tem maior quilate do que o valor justiça, que vem sendo rejeitado sem dó em proveito da obrigação de ser feliz. O que se tem hoje em dia é pouco para quitar a dívida de realizar a melhor justiça possível. Os fatos relatam que quanto menos se paga, menos se deve. Nesse mundo em ruína que nem o Coliseo, se o Aladim e o gênio da lâmpada mágica aparecessem aqui, eu pediria que eles fizessem a justiça ser uma compulsão mais forte do que o consumismo e do que o sexo.

Mamãe, desculpe-me se às vezes eu lhe falto com o respeito e acabo parecendo um sujeito rescaldado, resmungão, respondão e  ressabiado. Há tantas mensagens subliminares que tatuam o inconsciente e o impregnam com regras inconfessáveis que a resistência em tempo de guerra fica naturalmente minada. Em resumo, meu maior medo é ser incoerente! Ivagina se fosse diferente? Opa, soou o gongo para o quarto round!