quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Aventura XII

“O que eu gosto do seu corpo é o sexo. O que eu gosto do teu sexo é a boca. O que eu gosto da tua boca é a língua. O que eu gosto da tua língua é a palavra” – Julio Cortázar.  


Alguém poderia me explicar, como se eu tivesse apenas cinco aninhos de idade... Se as audiências são públicas, porque a presença do Fan Ghór deixa o juiz tão incomodado e impaciente?

A primeira audiência estava marcada para as 13 horas. A excelência chegou com 45 minutos de atraso ao Fórum Álvaro Salles. O estressadinho-atrasado disparou: “Por que você está assistindo esta audiência?” Eu respondi: “Porque estou com vontade!” Ele aumentou o tom, me encarou, e perguntou: “E por que você está fazendo anotações?” Eu respondi: “Porque pode ser que eu tenha vontade de escrever alguma coisa sobre audiência, sei lá!” E emendei: “Posso tirar fotos?” Ele atirou energicamente: “Nããooohhh!” Pensei: sai do meu pé, chulé, mas fiquei mansinho, e lasquei o indicador no start do gravadorzinho que eu comprei do James Bond.

A cidade de Aimorés é muito fofa: as pessoas jogam dominó nas praças; as bicicletas são o principal meio de transporte; tem muitas igrejas alternativas espalhadas nas esquinas; nem arranha-céus há; tem um monte de fotografias geniais do Sebastião Salgado espalhadas nos órgãos públicos... eu sinto que o Planeta Terra, por lá, vai girando devagar, devagarinho, povoado por uma gente que vive descaradamente desestressada.  

O juiz foi logo avisando às partes: __ Eu não vou julgar esse caso! Vocês se virem e façam um acordo! Eu não estou a fim de resolver isso juridicamente, senão vocês vão chorar e ficar decepcionados! Vocês precisam abrir o coração! Eu estou apelando para a sensibilidade dos dois lados! Já que os dois estão errados (uma das partes confessou: __ Tamus!), é preciso achar uma solução que seja menos ruim! Se eu for decidir aplicar a lei, ela não vai funcionar! Eu preciso por a lei para escanteio! Se for aplicar, mando destruir a casa de cada um, mas não faço isso porque ainda tenho um pouco de juízo! Não dá para aplicar a lei simplesmente e doa-se o mundo! Quem quer o mundo todo perde tudo!  Vamos esquecer o direito e vamos compor! No lugar onde vocês moram, não dá para querer o silêncio do campo! Vocês precisam achar uma solução que seja tolerável para os dois! Meu objetivo é conseguir um jeito de não ficar péssimo para os dois, porque ruim já está!

Eu não entendo como certas questiúnculas vão parar no Judiciário. O sujeito não se conformava com o barulho que o vizinho fazia na madrugada. Segundo ele, era a estridência do liquidificador, o som da televisão, o ruído do chuveiro, a conversa ao telefone, objetos sendo arrastados, choro de criança, latido de cachorro, portas batendo, conversas até altas horas mais os gemidos que uma tórrida noite de sexo ardente produz.
As casas eram separadas por parede distante apenas 80 cm uma da outra. De um lado tinha um basculante nervoso e do outro uma janela intolerante, cara a cara, com vontade de se armar.

Os corações dos litigantes foram arrombados pela palavra do juiz: de dentro daquela caverna ensanguentada, voou um silêncio ensurdecedor, que retumbou através de um acordo, que foi estridentemente homologado pelo Doutor. A solução: o réu construiria uma claraboia milagrosa no interior do seu quarto. Pronto! A janela e o basculante fizeram as pazes.

Eu descobri que o bom juiz é aquele que tem piedade com a miséria humana.  A melhor maneira de solucionar o drama dos litigantes é afastar a incidência insensível da lei, que não leva em conta a particular situação de gente briguenta, pirracenta e rabugenta.

Doutor Braulino, o que eu gosto da tua palavra é a pacificação! O que eu gosto da paz é o silêncio! – Fan Ghór!