“O
que eu gosto do seu corpo é o sexo. O que eu gosto do teu sexo é a boca. O que
eu gosto da tua boca é a língua. O que eu gosto da tua língua é a palavra” –
Julio Cortázar.
Alguém
poderia me explicar, como se eu tivesse apenas cinco aninhos de idade... Se as
audiências são públicas, porque a presença do Fan Ghór deixa o juiz tão
incomodado e impaciente?
A
primeira audiência estava marcada para as 13 horas. A excelência chegou com 45
minutos de atraso ao Fórum Álvaro Salles. O estressadinho-atrasado disparou: “Por
que você está assistindo esta audiência?” Eu respondi: “Porque estou com
vontade!” Ele aumentou o tom, me encarou, e perguntou: “E por que você está
fazendo anotações?” Eu respondi: “Porque pode ser que eu tenha vontade de
escrever alguma coisa sobre audiência, sei lá!” E emendei: “Posso tirar fotos?”
Ele atirou energicamente: “Nããooohhh!” Pensei: sai do meu pé, chulé, mas fiquei
mansinho, e lasquei o indicador no start
do gravadorzinho que eu comprei do James Bond.
A
cidade de Aimorés é muito fofa: as pessoas jogam dominó nas praças; as
bicicletas são o principal meio de transporte; tem muitas igrejas alternativas espalhadas
nas esquinas; nem arranha-céus há; tem um monte de fotografias geniais do
Sebastião Salgado espalhadas nos órgãos públicos... eu sinto que o Planeta Terra,
por lá, vai girando devagar, devagarinho, povoado por uma gente que vive descaradamente
desestressada.
O
juiz foi logo avisando às partes: __ Eu não vou julgar esse caso! Vocês se
virem e façam um acordo! Eu não estou a fim de resolver isso juridicamente,
senão vocês vão chorar e ficar decepcionados! Vocês precisam abrir o coração!
Eu estou apelando para a sensibilidade dos dois lados! Já que os dois estão
errados (uma das partes confessou: __ Tamus!), é preciso achar uma solução que
seja menos ruim! Se eu for decidir aplicar a lei, ela não vai funcionar! Eu
preciso por a lei para escanteio! Se for aplicar, mando destruir a casa de cada
um, mas não faço isso porque ainda tenho um pouco de juízo! Não dá para aplicar
a lei simplesmente e doa-se o mundo! Quem quer o mundo todo perde tudo! Vamos esquecer o direito e vamos compor! No
lugar onde vocês moram, não dá para querer o silêncio do campo! Vocês precisam
achar uma solução que seja tolerável para os dois! Meu objetivo é conseguir um
jeito de não ficar péssimo para os dois, porque ruim já está!
Eu
não entendo como certas questiúnculas vão parar no Judiciário. O sujeito não se
conformava com o barulho que o vizinho fazia na madrugada. Segundo ele, era a
estridência do liquidificador, o som da televisão, o ruído do chuveiro, a conversa
ao telefone, objetos sendo arrastados, choro de criança, latido de cachorro,
portas batendo, conversas até altas horas mais os gemidos que uma tórrida noite
de sexo ardente produz.
As
casas eram separadas por parede distante apenas 80 cm uma da outra. De um lado
tinha um basculante nervoso e do outro uma janela intolerante, cara a cara, com
vontade de se armar.
Os corações
dos litigantes foram arrombados pela palavra do juiz: de dentro daquela caverna
ensanguentada, voou um silêncio ensurdecedor, que retumbou através de um acordo,
que foi estridentemente homologado pelo Doutor. A solução: o réu construiria uma
claraboia milagrosa no interior do seu quarto. Pronto! A janela e o basculante
fizeram as pazes.
Eu
descobri que o bom juiz é aquele que tem piedade com a miséria humana. A melhor maneira de solucionar o drama dos
litigantes é afastar a incidência insensível da lei, que não leva em conta a particular
situação de gente briguenta, pirracenta e rabugenta.
Doutor
Braulino, o que eu gosto da tua palavra é a pacificação! O que eu gosto da
paz é o silêncio! – Fan Ghór!
O que mais me chama a atenção neste episódio é que ninguém quer cumprir o seu ofício. O Juiz não quer julgar. O advogado não quer advogar e as partes que buscaram a tutela jurisdicional do Estado para resolver o conflito foram obrigadas a conciliar. É corriqueira a persuasão dos Juízes à realização de acordos, mas desta forma nunca tive o desprazer...E os colegas hein.... sem comentários... Fiquei com saudade de quando minha cidade era semelhante a Aimorés... Parabéns Fan Ghór, mais uma aventura narrada com maestria!
ResponderExcluirErivelto, tenho visto tantas audiências, que costumo acordar na madrugada em pânico, aí faço um coquetel de Apraz (dois comprimidos e meio) batidos no liquidificador com duas doses de uma vodka que roubei do bar de meu pai... e volto a dormir como um anjinho! Mas de duas coisas eu sei mais ou menos: o juiz tem o dever funcional de persuadir as partes a se conciliarem e quando um não quer dois não se conciliam. Por isso, experimente minha receita e veja se se acalma! Ah! Já ía me esquecendo: a vodka é uma tal de stolichnaya, ou algo assim!
ExcluirBem costurada a crônica... Beijos.
ResponderExcluirNoossaaahhhh! Que sorrisão mais suave você tem, Maria Francisca! Dá até para fazer poesia com ele! Com ˜beijos˜, então, eu vou lá no céu, e nem dá vontade de voltar ao campo, a não ser que seja para colher as flores tão lindas que você desenha que nem criança de quatro aninhos ...
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