sábado, 21 de junho de 2014

Aventura I

Homem. Animal tão absorto no êxtase contemplativo do que acredita ser 
que não dá sequer uma olhada no que indubitavelmente poderia vir a ser
- Ambrose Bierce



 A ideia de felicidade plena e terrena costuma funcionar como fio condutor para invencionices arquitetônicas rumo à proliferação de fábricas evangélicas. Como eu nasci descrente – aliás, eu nem sei se nasci por inteiro, porque sinto a falta de pedaços de mim –, exigi-me a tarefa de partir em busca dos meus restos, que devem ter sido escondidos nos lugares mais improváveis que gente sã ousaria procurar.

Como sacanagem e realidade são em mim dente e gengiva, eu decidi sair por aí em busca de granadas. Veio uma dúvida do tamanho de uma aranha grávida: qual seria o lugar ideal para eu degustar um dos alimentos mais indigestos que a natureza produziu – a esperança! –, e ver se, de fato, podemos conviver bem com essa esquisita figura?

 Eu pus os dados na mesa e joguei comigo um par ou impar para definir se eu iria visitar templos evangélicos, presídios, hospícios ou edifícios públicos. Quádruplo purgatório me desafia a enfiar o corpo e alma nos seus salões! Veio um bom conselho, dos telhados, que tudo simplificou. Na base do tudo em um, gaste seu tempo na visitação dos palácios da justiça, que tudo concentra: fé na obtenção de receber o que é de direito; uma alcateia de gente que tem muita história para contar; loucura programada para atores que não são tão insanos quanto parecem e um labirinto espalhado pelo mundo jurídico com pretensões de civilidade.

Essa escolha explodiu em mim uma tremedeira em ritmo de samba com saliva abundante... eu estava dominado por calafrios que só a voz esbravejante do coração pode me acalmar: vá viver a vida de perigos nas salas do Poder Judiciário!

De repente, baixou em mim um equilíbrio vulcânico de juiz sem juízo! Fiquei tomado por uma burrice incontornável também!  Ao invés de viver a vida hedonista, resolvi partir em busca dos meus destroços. Comprei logo um par de olhos de lince! Adquiri uma bota sete-léguas e um colete salva-vidas. Meti-me numa calça da infantaria americana e distribuí por seus bolsos centenas de dedos amarelados doados pela máfia japonesa. Talvez faltassem outros apetrechos, mas naquela altura de minha maturidade, pensei que para viver bastava um par de narinas funcionando e sangue circulando por estradas esburacadas e sinuosas. A imagem era a de um moleque que se achava preparado para uma missão cheia de graça e desgraça!

Quer saber? Acaso você tenha uma gota de inteligência crítica e muita vontade de vagamundear, venha me visitar toda quinta-feira, senão eu morro!