“Homem. Animal tão absorto no êxtase contemplativo do que acredita ser
que não dá sequer uma olhada no que indubitavelmente poderia vir a ser”
- Ambrose Bierce
que não dá sequer uma olhada no que indubitavelmente poderia vir a ser”
A
ideia de felicidade plena e terrena costuma funcionar como fio condutor para
invencionices arquitetônicas rumo à proliferação de fábricas evangélicas. Como
eu nasci descrente – aliás, eu nem sei se nasci por inteiro, porque sinto a
falta de pedaços de mim –, exigi-me a tarefa de partir em busca dos meus restos,
que devem ter sido escondidos nos lugares mais improváveis que gente sã ousaria
procurar.
Como
sacanagem e realidade são em mim dente e gengiva, eu decidi sair por aí em
busca de granadas. Veio uma dúvida do tamanho de uma aranha grávida: qual seria
o lugar ideal para eu degustar um dos alimentos mais indigestos que a natureza
produziu – a esperança! –, e ver se, de fato, podemos conviver bem com essa
esquisita figura?
Eu pus os dados na mesa e joguei comigo um par
ou impar para definir se eu iria visitar templos evangélicos, presídios,
hospícios ou edifícios públicos. Quádruplo purgatório me desafia a enfiar o
corpo e alma nos seus salões! Veio um bom conselho, dos telhados, que tudo
simplificou. Na base do tudo em um, gaste seu tempo na visitação dos palácios
da justiça, que tudo concentra: fé na obtenção de receber o que é de direito;
uma alcateia de gente que tem muita história para contar; loucura programada
para atores que não são tão insanos quanto parecem e um labirinto espalhado
pelo mundo jurídico com pretensões de civilidade.
Essa
escolha explodiu em mim uma tremedeira em ritmo de samba com saliva abundante...
eu estava dominado por calafrios que só a voz esbravejante do coração pode me
acalmar: vá viver a vida de perigos nas salas do Poder Judiciário!
De
repente, baixou em mim um equilíbrio vulcânico de juiz sem juízo! Fiquei tomado
por uma burrice incontornável também! Ao
invés de viver a vida hedonista, resolvi partir em busca dos meus destroços.
Comprei logo um par de olhos de lince! Adquiri uma bota sete-léguas e um colete
salva-vidas. Meti-me numa calça da infantaria americana e distribuí por seus
bolsos centenas de dedos amarelados doados pela máfia japonesa. Talvez
faltassem outros apetrechos, mas naquela altura de minha maturidade, pensei que
para viver bastava um par de narinas funcionando e sangue circulando por
estradas esburacadas e sinuosas. A imagem era a de um moleque que se achava preparado
para uma missão cheia de graça e desgraça!
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