terça-feira, 24 de junho de 2014

Aventura II

"O bom é ser inteligente e não entender. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que nao entendo"
- Clarice Lispector

Depois que derrubaram as torres gêmeas em Manhattan, a perspectiva de possuir mente sã é uma loucura tão em moda como a dengue.

Talvez seja por causa dessa histeria globalizada que, ao chegar ao prédio do tribunal, os agentes de segurança me viraram de cabeça para baixo e me sacudiram tanto que do corpo desabaram chave, chicletes, impressão digital, celular e uma caixinha de preservativos, sabor morango e chocolate, que uma felina adquiriu no museu do sexo, em Nova York, e me presenteou no dia do meu aniversário, com tanta euforia, como se tivesse descoberto a pólvora, recomendando que eu jamais a usasse, pois que, segundo ela, eu deveria guarda-la como talismã (quem entende as mulheres?).

A verdade é que o truculento comitê de recepção ficou meio desapontado, apressando-se em esconder uma gargalhada em dó maior, ao constatar que eu não batia bola com a seleção do Bin Laden. Tenho certeza de que se houvesse, na portaria, um detector de boas intenções, eu teria sido exemplarmente preso em flagrante delito.

Apressei-me para encontrar meu amigo estagiário, que trabalhava no gabinete de um desembargador. A periferia o exportou para um dos núcleos do poder. Era um sujeito que não media esforços para ser gente nessa vida. Ele já tinha experimentado vários tipos de drogas – da maconha ao crack –, e, agora, estava viciado em trabalho, incumbido de receber autos de processos e elaborar as decisões que, após, deveriam ser encaminhadas ao juiz para que ele as examinasse.

Eu confesso que estava um tanto perplexo, porque não conseguia entender bem esse mecanismo decisório: um aluno de uma faculdade privada de Direito, que nem bacharel ainda era, estava incumbido de produzir projetos de decisão jurídica. Por mais estudioso e curioso que meu amigo fosse – e era! – ele não teria, a meu ver, maturidade intelectual e de vida para aquela espinhosa missão.

A verdade é que meu gentil amigo havia me prometido apresentar o cacique, com quem eu queria marcar uma entrevista com jeitão de raio xis. Logo que nos encontramos, percebi que ele não estava bem. Havia um olhar de revolta acompanhado de um sorriso torto de manicômio. Ele vomitou: estou com um caso dificílimo para julgar. É um acidente do trabalho. Eu fui até o desembargador e disse que precisava trocar umas ideias com ele para resolvermos essa urgente questão.

 A cena que se seguiu foi a seguinte: o desembargador dirigiu-lhe um olhar nazista e disse: __ Você tem um limão? Faça uma limonada, ora essa!  E saiu rapidinho. Eu vi o olhar do rapaz murchar como uma flor com hérnia de disco!




























Um comentário:

  1. Excelente blog. Escrita de estilo inconfundível, peculiar e familiar. Parabéns!

    ResponderExcluir