"O bom é ser inteligente e não entender. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que nao entendo"- Clarice Lispector
Depois
que derrubaram as torres gêmeas em Manhattan, a perspectiva de possuir mente sã
é uma loucura tão em moda como a dengue.
Talvez
seja por causa dessa histeria globalizada que, ao chegar ao prédio do tribunal,
os agentes de segurança me viraram de cabeça para baixo e me sacudiram tanto
que do corpo desabaram chave, chicletes, impressão digital, celular e uma caixinha de
preservativos, sabor morango e chocolate, que uma felina adquiriu no museu do
sexo, em Nova York, e me presenteou no dia do meu aniversário, com tanta
euforia, como se tivesse descoberto a pólvora, recomendando que eu jamais a
usasse, pois que, segundo ela, eu deveria guarda-la como talismã (quem entende
as mulheres?).
A
verdade é que o truculento comitê de recepção ficou meio desapontado, apressando-se
em esconder uma gargalhada em dó maior, ao constatar que eu não batia bola com a
seleção do Bin Laden. Tenho certeza de que se houvesse, na portaria, um detector
de boas intenções, eu teria sido exemplarmente preso em flagrante delito.
Apressei-me
para encontrar meu amigo estagiário, que trabalhava no gabinete de um
desembargador. A periferia o exportou para um dos núcleos do poder. Era um
sujeito que não media esforços para ser gente nessa vida. Ele já tinha
experimentado vários tipos de drogas – da maconha ao crack –, e, agora, estava
viciado em trabalho, incumbido de receber autos de processos e elaborar as
decisões que, após, deveriam ser encaminhadas ao juiz para que ele as
examinasse.
Eu
confesso que estava um tanto perplexo, porque não conseguia entender bem esse
mecanismo decisório: um aluno de uma faculdade privada de Direito, que nem
bacharel ainda era, estava incumbido de produzir projetos de decisão jurídica.
Por mais estudioso e curioso que meu amigo fosse – e era! – ele não teria, a meu
ver, maturidade intelectual e de vida para aquela espinhosa missão.
A
verdade é que meu gentil amigo havia me prometido apresentar o cacique, com
quem eu queria marcar uma entrevista com jeitão de raio xis. Logo que nos
encontramos, percebi que ele não estava bem. Havia um olhar de revolta
acompanhado de um sorriso torto de manicômio. Ele vomitou: estou com um caso
dificílimo para julgar. É um acidente do trabalho. Eu fui até o desembargador e
disse que precisava trocar umas ideias com ele para resolvermos essa urgente questão.
Excelente blog. Escrita de estilo inconfundível, peculiar e familiar. Parabéns!
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