"O que me desgostou da profissão de advogado é o fato de quererem encher meu cérebro com uma profusão de coisas inúteis. Ao fato é minha divisa"- Voltaire.
Enquanto o
árbitro propagandeia as virtudes dos lutadores e as popozudas mostram uma
musculatura esquisita, de tão masculinizada e tatuada, eu
aproveito o tempo para fazer algumas reflexões.
Nas minhas
visitas às audiências e aos autos de inúmeros processos judiciais, eu aprendi
que o juiz não pode agir sem que a parte o provoque a prestar jurisdição através
de um advogado. Isso significa que, em grande medida, o sucesso ou insucesso de
uma ação judicial – leia-se: a condenação ou absolvição da outra parte –, depende
da extensão dos conhecimentos técnicos e do dispêndio de energia e interesse, que o profissional venha a ter pela causa. Por isso, é
indispensável que a parte não poupe esforços na seleção e escolha do advogado
que vai ficar responsável, do início ao fim, pelo acompanhamento da ação.
Se eu fosse um advogado, ao provocar o juiz através de uma petição inicial – é este o nome da peça que inicia um processo -, eu teria muito cuidado em narrar os fatos para convencer o julgador de que a razão estava do lado do meu cliente.
Eu faria com
que a minha petição inicial fosse composta por elementos fáticos que
permitissem ao juiz decidir o caso como se ela fosse a única peça existente nos
autos do processo. Do seu teor – que deve ter sempre uma medida certa –, o juiz poderia ser capaz de extrair todos os
fatos suficientes para que pudesse decidir. Jamais seria uma inicial gordurosa, repleta de fatos insignificantes e descrições sem valor. Nem seria esquelética e raquítica, com ausência da descrição sucinta dos
fatos que poderiam produzir os efeitos almejados por mim. Eu penso que, se a
inicial tivesse esse grau qualitativo de
autonomia – ser suficiente, por si só, para a formação da decisão do juiz –, as
chances de sucesso seriam bem maiores. Está aí a definição ideal desta peça
que, já disseram, deve funcionar como um projeto de sentença. Aliás, se é
correta a ideia de que a inicial é o alicerce da última decisão do juiz no processo, talvez
esteja aí o motivo de muitas sentenças parecerem peças de arte surreal, contaminadas
pelos defeitos da peça inicial, que não foram corrigidos no tempo certo, pois que de seu
conteúdo não se chega a um convencimento de que, de fato, o pedido mereceu ser
acolhido ou rejeitado pelo juiz. A decisão, ao invés de pacificar, acaba
piorando o estado de angústia da parte.
Eu vejo que o
advogado do Anaclínio, na petição inicial, passou longe desta minha perspectiva otimizada de construção da petição inicial. Ele se limitou a dizer, simplesmente, que o
trabalhador fazia horas extras e recebia quantia inferior ao salário mínimo.
Com tanta exiguidade fática, o juiz, na hora de decidir, deve ter ficado perplexo. Ora, como pedir o pagamento de
horas extras se sequer o horário em que os trabalhos eram iniciados e
terminados tenham sido expostos? Como pedir diferenças salariais quando nada se
diz sobre o salário que era devido e nenhuma informação se deu sobre o valor que
era pago? Para que a petição inicial fosse apropriada teria sido necessário dizer que o Anaclínio começou a trabalhar,
por exemplo, às sete horas e terminava o labor às 22 horas, de segunda-feira
aos sábados, com uma hora de intervalo para almoço e, ainda, que ele recebia apenas 60% do salário mínimo.
O problema é
que o universo judiciário está composto por advogados e “devogados”: aqueles são profissionais que
zelam pelo bom nome da advocacia, pois estudam as leis e a jurisprudência e
refletem eticamente sobre o direito dos clientes, cuidando de redigir petições
iniciais aptas; os outros, são pessoas que arrebentam com os limites éticos que
devem nortear suas ações e pedem certas coisas, carecas de saber, que seus
clientes, não tem os direitos almejados, transformando os processos em jogos de
sorte e azar. Eu sinto que quando a petição inicial nasce ambígua, abstrata,
insegura, desmazelada, tudo isso se reflete no espírito de quem vai decidir,
pois que, ao invés de facilitar, ela acaba por exigir um esforço enorme de quem
a lê e, normalmente, não tem lá muita disposição para esvaziar o tanque de combustível
interpretativo de fatos que sequer foram mencionados. Ora, não se pode exigir
dos juízes exercícios de adivinhação.
Na lógica
fanghorgiana, se a petição inicial é frágil faticamente, por coerência, a
decisão que se seguirá tem tudo para padecer de idêntico vício: sem a descrição
ideal dos fatos que respaldam os pedidos, o desfecho será fatídico para todos,
pois que o juiz terá produzido, sem culpa, um arremedo de justiça. Em síntese: se a inicial é ruim, não se poderá esperar grande coisa da sentença, pois o juiz não tem o dever de produzir milagres.
No final das
contas, acaba sendo muito mais fácil aos “devogados” convencer o contratante de
que perderam a causa por culpa do Poder Judiciário ao invés de reconhecerem
os próprios erros. Vale dizer, a petição inicial, numa luta judicial, pode massacrar o direito da parte.
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