"O
entusiasmo é precisamente como o vinho; pode excitar tanto tumulto nos vasos
sanguíneos e tão violentas vibrações nos nervos, que a razão fica totalmente
destruída"
– Voltaire
Na
parte superior da porta de entrada da sala de audiências afixaram um cartaz em que estava escrito o seguinte: “O
Criador fez você diferente de todos! E você também é único e especial para nós!
Parabéns. Com carinho. Gabinete e Secretaria da 2ª Vara Cível. 22/08/2013”. Na outra
face da porta havia mais um cartaz em que se escreveu: “Dr. Roberto. Parabéns!
Deus lhe concedeu mais 356 dias, 8760 horas, 525600min, 31536000seg. A mão do
Senhor sempre se estenderá sobre sua vida! Com carinho Gabinete e Secretaria da
2ª Vara Cível. 22/08/2013”.
Talvez
por culpa do humor negro que me é peculiar eu tenha apressadamente imaginado que
o tal de Doutor Roberto padeceria de alguma doença terminal que saiu temporariamente vencida
porque Deus lhe teria concedido mais milhares de segundos de vida por conta das
orações solidárias dos servidores da Vara.
A curiosidade
fez explodir em mim uma urticária tão crescente que não hesitei em indagar à
servidora qual seria o motivo do texto? Ela disse: _ é uma homenagem por causa
do aniversário do Dr. Roberto. _ Ah! Sim. Pensei: Palavras! Clareza!
Inestimável virtude! Tanto quanto o otimismo!
Logo
percebi que a alusão a Doutor serviu para identificar o homenageado: era o juiz. Eu olhei para ele e vi que não se tratava de
alguém que entrou no clube da terceira idade: ele aparentava ter cerca de 55 anos. Era calvo e usava um bigode que deveria ser cotidianamente idolatrado
pelos serventuários da justiça. Sempre acreditei que se há juizite, a fonte não se encontra no juiz, mas naqueles que o cercam e desenham o sistema.
No
entanto, a coceira não cessou. Eu fiquei imaginando o que levaria pessoas a
dizerem que um ser humano é diferente de todos os outros? Porque as servidoras
ousavam massagear tão entusiasticamente o ego de alguém que não passava de um
ser humano comum? Eu logo pensei que o eventual fato de o juiz ser trabalhador,
honesto e justo, na verdade, seriam predicativos necessários à imagem ética de qualquer
magistrado. Ser diferente de todos é uma situação própria dos deuses. E o Dr.
Roberto não tinha cara nem jeito de deus!
Eu sei
que alguns cargos provocam nos vizinhos inspirações incalculáveis de grotescas bajulações
tão difíceis de administrar quanto a minha coceira. Basta ver os títulos de
cidadãos honorários distribuídos por aí. Faz parte do show! O difícil é
imaginar que um simples juiz possa manter a serenidade em boa temperatura
quando é distinguido por seus subordinados com o fardo de ser único. Desse jeito, eu
jamais ficaria impressionado se o magistrado, caso tivesse um filho, por
sugestão de seus súditos, viesse a chamar a estrela de Roberto Júnior.
Um viva aos semi-deuses.... ou deveria dizer deuses?!
ResponderExcluir"Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta. Melancolias, mercadorias espreitam-me. devo seguir até o enjoo? Posso, sem armas, revoltar-me?"- "A flor e a náusea"- Carlos Drummond de Andrade
ExcluirFan Ghór é o Indiana Jones jurídico. Suas aventuras são pura adrenalina. Que Deus lhe dê muito oxigênio e um gatilho rápido e certeiro!
ResponderExcluirA gente é o que é! A natureza de cada um de nós inaugura o DNA de forma irreversível! Nem tortura prá mudar! Nasci gente, cresci pessoa, hoje sou Fan Ghór, para tristeza de mim!
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