quinta-feira, 3 de julho de 2014

Aventura V

"Não importa o que faremos de nós. O que importa é o que faremos daquilo que fizeram de nós"
- Sartre


Caprichei na barba, vesti uma roupa bem bacaninha e joguei a máquina fotográfica na mochila. Zarpei para o prédio da Justiça, que tem sete varas cíveis. Fui na 4ª Vara. Não havia audiências. Passei para a 6ª. Igualzinho. O servidor disse que “era por causa da Copa do Mundo que estava tudo meio bagunçado”. Na 7ª, a servidora achava que as audiências iam ser canceladas. Corri para a 1ª. Adivinhem? Segui para a 5ª: só duas audiências (Eu não compreendo como uma empresa pode funcionar bem se o pessoal trabalha do jeito e quando quer).

Na porta da 3ª Vara Cível conheci três estudantes de direito. Entramos. A moça que iria datilografar os textos chegou atrasada. O juiz, muito gentil e sereno, explicou didaticamente que para resolver o caso precisava de uma perícia para apurar o grau de incapacidade da vítima do acidente automobilístico. Em seguida, confessou: _ “Esse tipo de ação dá demais, aí já tem o control C control V”.

Após clicá-los, fui para a 2ª Vara. Na mesa, as partes debatiam que valor deveria ser pago à filha de seis anos de idade: 253 ou 280 reais mensais? O juiz estava caladinho. Era o promotor quem falava.  Por causa dele, as partes fizeram um acordo em que o pai pagaria 37% do valor do salário mínimo mensalmente. O Promotor advertiu com voz de paizão: “o compromisso é sério e pode dar cadeia se não for cumprido”.

Eu fui de mansinho até o juiz e perguntei se podia tirar fotografias. Ele disparou: _ “Por quê?”. _ Bom, para demonstrar que eu estive aqui, eu disse. Lasquei alguns cliques consentidos. Eu tinha ouvido falar que o cidadão tinha o direito de assistir audiências na justiça sem comprar ingresso. É como se fosse uma sala de cinema, em que a gente podia presenciar dramas em carne e osso. Ver sentimentos de verdade explodirem  era um espetáculo que ajudava a gente a amadurecer e encarar a vida com outros olhos.

Passado algum tempo, o juiz mandou que eu me identificasse. Eu perguntei meio assustado: Por quê? Ele disse em tom inquisitorial: _ o Senhor entra aqui, tira fotos, assiste a audiência, e por isso precisa dizer quem é! Eu menti: _ Meus documentos estão no carango. Em pouco tempo chegou o cabo Edson, da Polícia Militar, que, por ordem do juiz, deveria me acompanhar até o possante para que eu buscasse meu documento de identidade. Eu não compreendo, sinceramente, o motivo daquele constrangimento. Senti-me tão intimidado, que um estranho cheiro que as moscas varejeiras adoram tomou conta do meu olfato.

                                             Em casa, corri para o espelho: eu não vejo em mim traços sauditas; nem há um olhar ameaçador debaixo das lentes dos meus óculos; nunca viajei para o Paquistão, nem fiz amizade com islamitas; juro por Deus, eu não tive nada a ver com o atentado de 11 de setembro de 2011. Eu abasteci os pulmões com gigantes letras maiúsculas e berrei para toda a vizinhança ouvir: meu nome é FAN GHÓÓÓÓÓRRRRRR, o blogueiro!!!!!!!!!! 








2 comentários:

  1. Fan Ghór: coragem para dizer a verdade! Gostaria muito que o Corregedor do Tribunal de Justiça de Minas Gerais pudesse ler a Aventura 05. Quem sabe ele pudesse nos informar qual o critério de designação de audiências e como se faz o controle dos trabalhos na Justiça, se é que existe algum.

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  2. Não existe cobertor capaz de descongelar o frio que inspira as conveniências egoísticas daqueles que se acham superiores ao interesse público de resolver com método e celeridade as demandas judiciais.

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