terça-feira, 15 de julho de 2014

Aventura VIII

“Quem luta com monstros deve velar para que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti” 
- Nietsche.


Fui acordado na manhã da segunda-feira com uma dor de cabeça infernal, latejante, produto de um pesadelo cuja realidade aparente e cruel só poderia ser medida por supercomputadores. Eu tinha me visto no programa do Faustão, massacrado impiedosamente por olhares carnívoros de uma plateia integralmente composta por advogados e advogadas com insaciável sede de injustiça e juízes vestidos com uma roupa preta engraçada que lembrava bruxos. Enquanto isso, a Cláudia Leite, vestida de galinha pintadinha, cantava a música “Go to hell”, do roqueiro Alice Cooper, enquanto os causídicos, todos sem paletó e gravata, acendiam velas vermelhas, e reivindicavam a volta da inquisição, tanto quanto a da guilhotina.

A coisa estava muito feia: eu havia sonhado que os juízes marcavam audiências com intervalos de cinco em cinco minutos entre uma e outra, e sempre chegavam atrasados no local de trabalho, que frequentavam apenas duas vezes por semana e, pior ainda, durante os diálogos, comportavam-se como alienígenas, na medida em que diziam um monte de coisas que ninguém entendia.

Eu havia sonhado que os desembargadores iam apenas uma vez por semana nos tribunais e compareciam nas sessões de julgamentos sem a prévia leitura das questões e teses defendidas pelos litigantes.

Eu havia sonhado que em todos os processos judiciais os advogados davam um jeitinho de inventar fatos para pedirem indenização por danos morais em proveito dos seus clientes que sequer sabiam o que isso significava e, por isso, os juízes andavam estressadíssimos porque não aguentavam mais tanta falsificação processual, tanta vitimização, tanto abuso e tanta mentira.

Eu sonhei que os juízes estavam delegando aos servidores a elaboração de todas as decisões que eles, e apenas eles, deveriam tomar.

Eu sonhei que havia juízes que levavam anos para decidir os casos que lhe eram submetidos e, depois, o tribunal anulava a sentença, dizendo que ela estava desfundamentada, e mandava o mesmo juiz julgar de novo o caso, o que não ocorria por um tal de “motivo de foro íntimo”.

Eu sonhei que havia muitos parentes de juízes que ingressavam nos tribunais sem concurso público e ocupavam cargos de direção com salários superiores àqueles pagos aos próprios magistrados.

No estertor, eu tinha sonhado que a OAB conseguiu alterar a estrutura dos tribunais. Por tal golpe de misericórdia, um quinto seria, doravante, reservado para juízes, e o restante das vagas seria preenchida apenas por advogados, obedecidos critérios alternados de bajulação e enriquecimento. 

Aqueles capítulos de sonhos provocaram em mim uma sensação crescente de asfixia. Graças a Deus, o celular tocou: __ “Filim, faz uma semana que ocê num liga prá mamãe. Num vai mi dizê cocê está com depressão de novo?”. Eu pensei: __ Minha mãe não sabe das coisas. Ela é tão feliz, coitada! Nem azia ela nunca teve. É porque ela nunca precisou de advogados nem de tribunais.







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