quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

AVENTURA XIII - ÚLTIMO ROUND - A INDIFERENÇA NOCAUTEIA A JUSTIÇA!




“Toda verdade passa por três etapas: primeiro, ela é ridicularizada. Depois, é violentamente antagonizada. Por último, é aceita universalmente como autoevidente.” – Arthur Schopenhauer

“O dente morde a fruta envenenada; a fruta morde o dente envenenado; o veneno morde a fruta e morde o dente; o dente, se mordendo, já descobre a polpa deliciosíssima do nada.” – Carlos Drummond de Andrade


O juiz mandou soar o gongo!  

Eu aprendi que a ação judicial é uma briga civilizada. Não fosse assim, o autor esfaquearia o réu, ou o réu estrangularia o oponente. Para diminuir danos, o Estado prefere que o embate seja realizado no ringue do processo. Ainda assim, tem-se um espetáculo, patrocinado pelo Poder Judiciário, cujos protagonistas são o juiz, os advogados, as partes e os servidores públicos.

Independentemente do resultado da luta, eu sinto que o fato de um simples trabalhador rural chamar para o pau um general do exército é inequívoca demonstração de que o sentimento de fé na justiça é necessário à sobrevivência humana. Melhor se ele ultrapassar as conveniências do comportamento politicamente correto que se espalha, na atualidade, como praga, entre os cidadãos.

A verdade é que esta luta, antes de tudo, é o retrato de uma revolução pessoal de quem não suporta mais esperar por paz, ainda que, para ver-se pacificado, precise sangrar a própria alma a fim de obter do Poder Judiciário uma dose minúscula de razão.

O General está com a guarda baixa e, apesar de receber alguns golpes, a sensação de impunidade é uma enorme tatuagem diabólica pregada em suas costas largas.

Do imaginário popular vem um odor acumulado por mais de 50 anos – que urubus gostam demais! – trazendo consigo uma sensação de que a máquina judiciária não tem conserto, resumindo-se, a bem aventurança possível, na produção do mal menor.

A TSA – Torcida dos Sofredores Anônimos – delira quando o desafiante Anaclínio, apesar de muito cansado, tenta encaixar diretos no rosto e dispara ganchos nas costelas e fígado do General, que não perde a pose e, com um eloquente sorriso de víbora, zomba do currículo do adversário: um pobre trabalhador rural, analfabeto, que tem em seu cartel de lutas apenas uma fé e honestidade capazes de mover montanhas.

O público se levanta e grita aos berros: JUSTIÇA! JUSTIÇA! JUSTIÇA! Toda aquela gritaria serviu para incomodar o juiz e os advogados que, em decorrência do longo tempo de disputa, sabiam da impossibilidade de consagrar o valor da justiça. De toda forma, o coro funcionou como combustível de alta octanagem: o desafiante cresceu como fermento em bolo de fubá e desferiu alguns golpes certeiros no rosto do campeão que apelou para os clinches.

O Anaclínio passou a golpear com muito entusiasmo. Ele disparou uma sequência de jabs e mandou o general para as cordas. O General rosnava e encarava o adversário, sem piscar, com seus olhos verdes cor-de-farda.

O juiz gesticulava exageradamente como se fosse fantoche nas mãos de um artista de circo que brincava com bonecos exibidos ao público.

De repente, o desafiante lascou um upper na ponta do queixo do general, que balançou, e foi à lona, como jeans velho desbotado.  

Apesar do knockdown, o juiz, sem iniciar a contagem, apressou-se em proclamar que a luta era “sem resultado”. Nada mais justo, disseram os empresários, os organizadores e patrocinadores daquele espetáculo, com a adesão da servil opinião pública.

Ao final da pizza, os médicos suspeitaram que o juiz estava dopado. Ele tinha vaidade exagerada na corrente sanguínea. Além do mais, havia veneno estomacal, por conta de uma velha e impiedosa mordida advocatícia. No diagnóstico apontou-se, ainda, uma indiferença acomodada com o resultado dos procedimentos e uma amnésia metastática que o impedia de se lembrar do juramento que fizera no ato de sua elevação à condição de árbitro. Naquela situação, disseram que ele não poderia ter apitado a luta. O veredicto foi seco: __ Sem juiz, não há processo!

O Anaclínio não vai morrer de desgosto: ele é bem mais forte do que tudo isso! Ainda assim, o coração do desafiante saiu bem machucado... quase nocauteado, que nem o meu! 

Toda a gente foi para a casa, feliz da vida, apressada em massagear os celulares.









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